quinta-feira, 14 de maio de 2009

Embriaguez emocional


A rotina é como morfina. Uma morfina diferente, uma droga psicológica.
Enquanto a droga física nos anestesia, sufocando as dores, a droga psicológica nos ocupa, anestesiando os sentimentos.
O amor, a saudade e o pesar são “constantes temporárias” sempre na espreita. É apenas darmos um tempo da rotina, descançar a mente, que eles vêm mais a tona. Talvez seja a rotina nosso maior sossego.
Não é a chuva e o tempo ruim que nos trazem lembranças, é parar e ver a chuva. Não é o sol e o céu limpo que nos deixam alegres, é aproveitar o dia.
A melancolia, a nostalgia, não se nos apresentam quando menos esperamos, mas quando temos tempo de esperar. Quando paramos pra organizar a mente, colocar as coisas em ordem, é que elas se bagunçam, fogem ao controle, dão piruetas.
O cotidiano é a inércia humana.

6 comentários:

marcondessouza@oi.com.br disse...

O ser humano não pode parar, porque se parar, pensa, se pensar, chora...

Prof. Pasquale disse...

O correto seria "embriaguez emocional".

Henry Louis Mencken disse...

Houve tempo em que imaginei que os homens trabalhavam em resposta a uma vaga necessidade interior de se exprimir. Mas aquela era provavelmente uma teoria capenga, porque muitos dos homens que mais trabalham não têm nada a dizer. Uma hipótese mais plausível começa a brotar agora: os homens trabalham apenas para escapar à deprimente agonia de contemplar a vida – e seu trabalho, assim como o seu ócio, é uma comédia-pastelão, que só lhes serve para que eles escapem da realidade. Tanto o trabalho como o ócio, normalmente, são ilusões. Nenhum deles serve a qualquer propósito sólido e permanente. Mas a vida, despida dessas ilusões, torna-se logo insuportável. O homem não consegue ficar de mãos abanando, contemplando o seu destino neste mundo, sem ficar desvairado. Por isto inventa formas de tirar sua mente deste horror. Trabalha, diverte-se. Acumula aquele grotesco nada, chamado propriedade. Persegue aquela piscadela esquiva da fama. Constitui uma família e dissemina sua maldição sobre ela. E, todo o tempo, a coisa que o move é o desejo de se perder de si mesmo, de se esquecer de si mesmo e de escapar à tragicomédia que é ele próprio. Fundamentalmente, a vida não vale a pena ser vivida. Assim, ele cria artificialidades para fazê-la parecer que vale. E também por isto erige uma espalhafatosa estrutura para esconder o fato de que ela NÃO vale.

Lucius disse...

Só fico deprimido depois das 18h. :(

Felipe ou teu-eterno-e-terno-caderno disse...

Não chega a ser "a inércia humana", como assesta a última frase, uma vez que ele até anestesia tais sentimentos, mas não os cura, por assim dizer.

Mesmo alguém sob a premência do mais implacável dos cotidianos pode, perfeitamente, tomar consciência não só de tais sentimentos mas da própria capacidade de seu cotidiano agir sobre eles, distraindo-os.

De certa forma, é o sentimento que Still Life maravilhosamente descreve: "Take a look in the pool and what do you see / In the dark depths there faces beckoning me / Can't you see them it's plain for all to see / They were there, oh, I know you don't believe me (...) I've no doubt that you think I'm off of my head / You don't say, but it's in your eyes instead / Hours I spend out just gazing into that pool / Something draws me there, I don't know what to do".

A artificialidade do cotidiano é a artificialidade mesma da vida.

Dalto disse...

É recorrente o uso da rotina como anestesia, algumas vezes tão poderosa que não percebemos sua aplicação.
Tem gente, porém, que a usa como um veneno é usado para o desenvolvimento de um antídoto. Se esse antídoto é possível e for alcançado, provavelmente será usado como a rotina é hoje. Tento dizer que, neste caso, a solução é o caminho, e não o fim.
Sempre achei que a faculdade me mostraria raciocínio, mas grande parte do que vejo é resultado, receita de bolo. Aprendo somente quando generalizo o específico, discordo, uso para outros fins.
Tento não me importar se construo a base com uma receita de bolo; sei que, sendo como sou, pronta a base, revisarei tudo do meu jeito, no meu tempo, sem o cabresto que me diz o que devo e mede o quanto aprendi.