sábado, 4 de dezembro de 2010

Relações humanas

As pessoas cismam em acreditar na idéia errônea de que relações antigas são sobrepostas pelas novas.

Relações se desgastam ou se fortalecem. Seguindo o curso dos acontecimentos, a vontade dos envolvidos, os objetivos, a logística, enfim, vários fatores. E neste meio tempo surgem outras, pois somos dependentes de contato humano, em vários níveis.
Pensar, porém, que estas novas relações te farão esquecer daquelas que se desgastaram contra a tua vontade é besteira. O programa do domingo ainda fará falta, por mais que a nova companhia seja interessante e se proponha a repetir o famoso passeio dominical (não que a pessoa esteja sempre ciente de estar propondo-se).
Por mais que a companhia de conversa agora seja mais inteligente, compartilhe os mesmos gostos ou tenha mais tempo a dispôr, ela não vai, jamais, fazer-nos esquecer os diálogos anteriores, por mais que fossem bobos ou, quem sabe às vezes, ofensivos.
As pessoas podem nos magoar, nos decepcionar, mas ainda assim fizeram parte das nossas vidas, e isso não muda. Há um pouco delas no que somos agora. Há um pouquinho de cada um dos passeios de domingo, de cada uma das conversas, de cada uma das características pessoais.
Por mais pessoas ao nosso redor que se tenha hoje, aqueles que foram marcantes não serão esquecidos, lamento.

domingo, 10 de outubro de 2010

Receita da felicidade


Vamos começar com alguns esclarecimentos: esperar uma receita de felicidade eterna é o mesmo que esperar que o bolo de laranja que a vovó fez no dia das crianças dure "a perder de vista", por mais que se coma. Em tempo, se durasse seria péssimo, porque o bolo de laranja que era tão bom viraria um tormento. Assim sendo, as receitas aqui difundidas fazem apenas algumas porções, umas mais, outras menos.
Aqui apresento receitas simples, que utilizam ingredientes de fácil acesso. Algumas exigem um tempo de preparo longo, outras, porém, apenas uns minutos. Escolha aquela que lhe parecer melhor.
Então, vamos lá: uma trufa depois do almoço, um banho morno no fim do dia, chimarrão com palavras cruzadas, filme com chocolate, dia de chuva com pipoca, guerra de farinha, um beijo de boa noite, cozinhar com companhia, descobrir uma boa banda, uma xícara grande de café, ouvir música na cama, terminar um bom livro, caminhada no parque, tomar banho de chuva, porre de vodca barata na companhia de amigos, tocar piano e comer Chandelle, andar de bicicleta, almoço com bons amigos, praia de noite, jogar sinuca num boteco barato, caminhar sem rumo, tocar violão entre amigos, dividir um pote de sorvete, subir na torre da igreja, fazer bolhas de sabão, voltar a ser criança, colher morangos...
Na verdade, grande parte da felicidade está em criar uma nova receita...

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Margaridas vermelhas


- Te apressa que já é hora do trem!
- Sim, Carlota, sim! Estou pronto, apressa-te tu!
"Ah, esse atrevimento juvenil". Carlota prende o último grampo no cabelo, pega de relance a maleta rosada e precipita-se à porta de entrada. Yjan se atrapalha pegando as malas, dando tempo a que Carlota chegue à porta e retorne, repreendendo-o:
- Anda, menino! Aligeira-te! - a velha portuguesa aproxima-se para apanhar uma das malas - Agora vamos, sim?
Saíram os dois correndo à estação, que não distava dali. Ainda assim, tiveram apenas o tempo de ver passar o trem, sentando já no banco de ripas para esperar o próximo.
No último vagão ia Anuchka, com a expressão habitual de indiferença, que sentia por todos aqueles que a não serviam. Pôs-se ela a rir ironicamente ao ver perderem o trem os dois atarantados.
Que grande indignação perpassou àquele trem, diante de Yjan. Já a tia, Carlota, nada vira, porquanto maldizia o mundo pelo atraso que não fazia menção sequer a eles dois.
Passou-se um penoso quarto de hora até avistarem outro trem na encruzilhada dos trilhos. Imediatamente o menino - que já nem podia ser chamado menino, mas permanecia no costume dos chegados - levantou-se do banco e acenou com o braço, garantindo-lhes um canto à cabine.
Ao frear o trem, o cobrador já atirara as malas no compartimento a elas destinado e recolhera os bilhetes aos passageiros.
A viagem de Bergen a Oslo não era breve, ainda mais na companhia da tia beata, a falar de religiões e costumes lusitanos, sobre os quais, tanto o primeiro, quanto mais o segundo, nenhum interesse tinha Yjan. Sendo assim, deixou Carlota a falar com as flores do estofado e meteu-se em seus devaneios.
Passado pouco da metade da viagem, já Yjan tinha revisto mentalmente todos os pormenores de sua vida, de seu tutor de latim e do padrinho, que não tinha uma vida muito "à moda". Dois parcos minutos foram o suficiente para voltar-lhe à mente a revolta causada por aquele sorriso irônico, mordaz. Não mais tempo foi necessário para transformar-se aquela revolta em uma curiosidade satírica.
"Há, por detrás daquele escárnio, algo mais. Há ousadia.". E assim despendeu o resto do tempo, pensando naquela ousadia. Parecia-lhe esta tão vil, mas, ainda assim, algo atraente. No exato momento dessa conclusão ouviu ranger os trilhos, indicando Oslo, que já ali estava.
Despedir-se da tia, após os oito meses de doença de sua mãe, agradava-lhe, não só por não simpatizar com a típica lusitana, mas também por saber assim a mãe reestabelecida completamente. Levou-a ao hotel, onde esta ficaria por mais dois dias, com toda a disposição que reuniu, sem dificuldade.
-Yjan! Te arranja, menino! Estás tu com os cabelos desgrenhados e a camisa amassada.
Yjan cedeu, mas se atrapalhando novamente com as malas, por ter de passar os dedos pelos cabelos, recebendo assim outro reproche.
Após dez quadras de malas pesadas e dizeres religiosos, chegavam ao hotel. Carlota assinou a reserva e pediu ao carregador que levasse as malas para o quarto. Yjan, não perdendo tempo, já ali despedira-se da tia e fora procurar um doce de amêndoas, que costumava comer sempre que ia a Oslo.
Com o doce na mão, correu até a estação, desejoso de voltar para casa. Logo que chegou, viu passar o trem. Sentou-se no banco mais próximo aos trilhos, olhando para os plátanos cruzados pelo trem que passara. Ao perder o trem de vista, olhou pro banco e viu uma menina impaciente, de olhar indiferente. Um sorriso de escárnio tomou conta do rosto de Yjan.
O silêncio entre eles só foi quebrado pelo apito do trem, dez minutos depois, que parecia rasgar os trilhos, voltando para Bergen.
A garota passou por Yjan, pulando logo no vagão, deixando este a cuidar das suas malas, entregando-as ao guardador. Yjan foi procurar uma cabine vaga, mas o que mais perto disso encontrou tinha ao canto aquele olhar indiferente. Pediu licença e sentou-se.
O garoto, ao cansar-se daquele silêncio constrangedor, perguntou-a do tempo, comentou sobre a viagem e os novos trens, indagou-a sobre sua impressão a respeito de Oslo. Desistindo de obter uma resposta, perguntou-lhe o nome e calou-se. A menina olhava-o, muda, passando assim quase cinco intermináveis minutos.
- Anuchka.
- Como?
- Meu nome. Anuchka.
- Prazer, Yjan.
- Essa primavera parece bastante amena, em tempertura e pluvialidade. As viagens ficaram mais agradáveis nesses trens, apesar de continuarem longas demais. Oslo ainda é a mesma, fria e adorável.
Yjan foi tomado de uma perplexidade visível em seu rosto, que fez rir Anuchka. Pela primeira vez ela não parecia indiferente, mas seu sorriso ainda tinha um fundo de ironia, que agora parecia a ele bastante encantadora.
- O que fizeste de tão breve em Oslo? - perguntou ela.
"Ela lembrou-se de mim na estação". - Fui levar minha tia ao hotel, para passar uns dias na capital. - Deu a resposta, arrependendo-se imediatamente da brevidade. - E você?
- Fiz só o que faço sempre. Viajo de trem, pra qualquer lugar, evitando assim ficar em casa.
"Além da ousadia, algo mais tem parte nessa indiferença". Enquanto esse pensamento o dominava internamente, junto a uma curiosidade irresistível, a única coisa que disse foi: - Moras em Bergen?
- Sim, mas não estaria errado dizer que moro nesse trem.
Quebrado o silêncio inicial, a viagem pareceu-lhes mais curta, entre curiosidades e afinidades. Porém, aquele sorriso de ironia não abandonou o rosto de Anuchka, nem por um instante.
Ouviram novamente o rasgar dos trilhos, provocado pelo freio do trem. Anuchka pulou para a estação, antes mesmo de o trem parar completamente, e dirigiu-se à bilheteria. Yjan foi atrás dela.
- Vais onde agora?
- Oslo.
Sem entender e novamente perplexo, Yjan preferiu não perguntar-lhe. Despediu-se e foi pra casa, lentamente, pra ter tempo de recordar toda a viagem. E, claro, ver Anuchka embarcar no próximo trem.
Já em casa, Yjan continuava inquieto, pensando naquela garota tão peculiar. Decidiu-se por esperá-la na estação, encontrando-a no trem de volta de Oslo. Depois da resolução tomada, ainda precisava de um motivo fictício para lhe expôr.
Almoçou com a mãe e voltou à estação, dizendo a esta que iria dar uma volta. Chegando lá, sentou-se no mesmo banco da manhã, a esperar, resolvido a dizer-lhe que estava esperando a tia, que decidira voltar.
Cinco minutos passaram pra ele se convencer de que a desculpa era inacreditável e decidir-se por deixar-lhe claro ser ela o motivo. Apanhou uma margarida na lateral do trilho.
Mal sentou-se, com a margarida na mão, e ouviu o apito do trem. Tentou parecer-se inabalável, até que Anuchka se aproximasse. De fato, ela o fez, sorrindo com a ironia que agora o agradava.
- E essa margarida?
- É sua. Como foi a viagem?
- Pena não ser vermelha. A viagem foi igual às outras.
- Não há margaridas vermelhas. E Oslo, como estava?
- Um dia encontro quem mas dê. Igual, fria e adorável.
Yjan entregou a margarida e foi-se embora, sem sequer um agradecimento. Pelo caminho resolveu-se não mais ver Anuchka. Ao chegar em casa já não estava assim tão resoluto.
No dia seguinte, Yjan voltou à estação, com um frasco de tinta vermelha. Ouviu o apito do trem e correu, ainda precisava da margarida. Anuchka viu-o e sorriu trocista.
Yjan abaixou-se rápido para apanhar a flor. Desequilibrou-se. Caiu nos trilhos.
Anuchka teve suas primeiras margaridas vermelhas.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Uma velha, sim, senhor.



Notas (nem tão - quem sabe, quase nada) importantes: Perceba que esse tema não surgiu repentinamente do meio das minhas fitas.

Não vou falar sobre o conto O Alienista, embora ele realmente mereça que falem positivamente - como eu certamente falaria - dele sempre que possível.

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Numa tentativa de tornar o ócio completamente improdutivo, abri o Google, afim de pesquisar sobre absolutamente nada de relevante. Mas eis que Deus (Google, pra quem ficou na dúvida) me surpreende, pondo à minha frente um link contendo uma lista de 48 clássicos da literatura.

À parte a total frustração do meu intuito inicial, a lista realmente me interessou. (Fato facilmente comprovável com a lista de vinte títulos que designei como meta do ano)

Ao fim do meu rol, continuei a busca por listas de clássicos da literatura universal. Encontrei várias - umas boas, outras nem tanto e, claro, algumas simplesmente lastimáveis -. Mas o que me chamou a atenção não foi isso, mas dois links que continham, um deles, dez razões para ler clássicos e, o outro, dez razões para ler livros atuais.

Comecemos pelo que tenho menos a dizer: dez razões para ler livros atuais. Sou uma velha. Tudo bem se gostam da saga Crepúsculo ou algum outro tipo de vampirice, de super mistérios da igreja, soluções gerais para problemas pessoais, análises psicológicas profundas de mentes rasas ou, simplesmente, como enriquecer "acreditando". Ah, em tempo, perdão pela generalização (oh, maldita mania humana!), há boas obras contemporâneas, porém, eu as encontro com considerável menor frequência do que quando as procuro nos clássicos. *Voltando para onde eu estava* Os argumentos não me convenceram, de forma alguma. Um deles foi quanto a maior diversão, porém eu a encontro em vastidão nos clássicos. Outro defendia que é uma forma de atualização e contextualização no nosso tempo histórico, embora eu ache bem mais produtivo se informar por meio de jornais e revistas, e prefira, incomparavelmente, histórias atemporais, e não "datadas a ter fim".

Agora, sim, damas e cavalheiros, os clássicos!

Eu vejo uma beleza infinita nos clássicos. São atemporais (ponto importantíssimo, crianças!), não importando ao seu entendimento terem sido escritos em 1632, mas lidos em 2116. E, se não importando ao seu entendimento, muito menos diminuem sua beleza e genialidade (é, realmente muito fácil dizer "isso é óbvio!", depois que alguém já disse). Possuem uma polidez gramatical que me encanta muitíssimo - rebuscamentos não são inúteis, muito pelo contrário, dão um tom diferente à história, uma emoção diversa -. Com facilidade, encontra-se análises psicológicas e formação de caráter dos personagens de uma profundidade inebriante.

Quanto ao artigo, discordo em um ponto: nem toda literatura é diversão. Alguns livros são bagagem intelectual, sem necessariamente divertir. As cem páginas parecem trezentas, mas ao fim, nos adicionam mil de conhecimentos.

Aí os links, caríssimos:
http://www.lendo.org/10-motivos-para-ler-livros-atuais/
http://livroseafins.com/10-motivos-para-ler-livros-classicos/

sexta-feira, 9 de abril de 2010

RealiDisney

Logo que nasceu, uma bruxa malvada e invejosa roubou-a do aconchego de sua família amorosa e unida, digo...
Logo depois que nasceu, ela foi tirada do aconchego de sua família amorosa, mas nem tão unida, para frequentar a creche, já que a licença maternidade tinha se esgotado.
Lá cresceu, apanhando sempre das crianças mais velhas, mas aprendendo a guardar os brinquedos. Logo chegou a hora da escola, onde foi alfabetizada e aprendeu o suficiente pra tirar uma "boa nota" nas provas federais.
Nenhum colega olhava muito pra ela, já que além de feia era pobre e não tinha o último tênis com amortecedores e 12 molas.
Quando saiu do colégio tudo ficou pior. Passou a trabalhar na fumageira e trocou os colegas de aula pelos de trabalho, mas não que fizesse tanta diferença.
No sábado à noite frequentava boates com entrada feminina grátis, e no domingo assistia Faustão.
Ao chegar aos 35 anos, os pais "sugeriram" que ela arranjasse uma vida própria e sumisse do teto deles. Ela foi então morar numa pensão de subúrbio.
No aniversário de 45 anos, ainda na mesma pensão, ela cansou de esperar pela maçã envenenada e fez uma sopinha de naftalina. Morreu. E já que o príncipe andava meio ocupado, o último homem que a viu foi o maquiador da funerária, que tava tentando dar um jeitinho na cara, que já não era aquelas coisas...

sexta-feira, 19 de março de 2010

Escrito ao escrever


Aos escritos não poderia haver melhor homenagem que eles mesmos. Um se presta ao outro, fazendo reverências.
Não há escritos que sejam arrogantes ou maldosos. Eles são prestativos, tão somente.
Eles passam mensagens e idéias de qualquer natureza e de qualquer ponto de vista sem sequer uma indagação. Transmitem histórias às gerações, conhecimentos aos sedentos, amparo aos deprimidos.
Escrever é a garantia de que não há solidão ou impossível. O papel aceita tudo e as palavras expressam o que nos for de agrado, não há limitações.
A caligrafia expressa nossas emoções e os textos guardam todos os nossos segredos.

Não há inalcansável que se não alcance com uma caneta.